top of page

Resenha - Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago

" Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."

 

Uma doença misteriosa, uma cegueira aparentemente transmissível que vai acendendo a luz dos olhos de forma absurda até deixar as vistas em trevas brancas, um mar de leite como ela é descrita. A cegueira branca abordou e cegou de forma massiva a população instaurando medidas agressivas a partir do governo. Isso é um ensaio, um teste, um treino. É exatamente o que o título evoca, acredito nisso, que o autor brincou com a dualidade da palavra ensaio e conseguiu colocar uma pitada de ironia desde o título do que se segue, do ensaio de sentido literário, para o ensaio do sentido mais amplo.

Em um livro experimental, diferentão, José Saramago o quebrador de regras me apresentou a um novo jeito de entender a literatura, primeiramente, que seu livro foi proibido de ser traduzido e a ortografia é a vigente em Portugal, isso porque Saramago pensava que em time que está ganhando não se mexe, indo até mesmo contra os acordos ortográficos, em entrevista a um jornal de rádio em 2008, ele fala um pouco mais sobre os aspectos das mudanças ortográficas e o impacto que esse fato desempenha em sua vida de escritor. Porém, isso não se mostra como um grande obstáculo, na verdade, essa é uma boa oportunidade de leitores brasileiros estreitarem os laços com o idioma raiz.

 

 

Os parágrafos são completamente esquecidos, um pouco de dispersão e o leitor acaba embaralhando os diálogos, misturando as personagens e até mesmo se perdendo na narrativa. Todo cuidado é pouco. Por outro lado a leitura é fluida e solta, fica parecendo que o narrador lhe fala aos ouvidos e não que as palavras estão presas em uma página de um livro.

Os personagens não recebem nome, mas são destacados com complementações de suas personalidades, por exemplo, o primeiro personagem a ficar cego será chamado de o primeiro cego e sua esposa de a mulher do primeiro cego.

 

 

Sobre o tema, o autor quis evidenciar que os personagens estavam passando por um teste, e a metáfora aparece quando o narrador deixa saber que a cegueira que acomete os personagens não é a mesma cegueira que se tem conhecimento, não é a cegueira de escuridão que as pessoas com deficiência visual relatam, é como se estivesse mergulhado em um mar de leite. O caos de uma cegueira repentina e em massa se torna uma verdadeira expurgação, onde pecadores e inocentes vão ser medidos pela mesma régua. Um leitor mais sensível consegue até mesmo sentir algumas das dores ou pelo menos imaginá-las, os mais dotados de empatia podem ter uma experiência bem perturbadora em alguns momentos, devo ressaltar aqui que o livro traz alguns gatilhos que tomei por cuidado para não soar como spoiler, há cenas de estupros e muitas outras misérias que acometem a convivência humana quando instalado o caos ou não.

 

 

José Saramago consegue trazer uma discussão muito atemporal que é a cegueira em suas várias formas, sendo palavras do próprio narrador que para nós se traduziu em alguns ditados muito populares como "em terra de cego quem tem olho é rei" – aqui destaca-se o valor da visão ser ela a propriamente dita ou vestida de metáfora-, "pior cego é aquele que tem olhos e não quer ver"- aqui a crítica é para todos que podem melhorar sua condição humana e sua contribuição individual para uma sociedade mais justa, mas por algum motivo não enxerga ou não quer enxergar as ferramentas para o trabalho, ou também aquelas pessoas que vivem de criar expectativas ou que só veem o que lhes é conveniente de alguma forma. A temática nos chama para prestar atenção nos diversos tipos de cegueira, pois ficou claro que depois de estabelecido o caos, os outros sentidos são de mínima ajuda para um alguém que a cegueira pegou de assalto. Reaprender a ver, essa é a proposta, não se deixar cegar pelos muitos estímulos visuais, dar importância ao essencial, que já foi esquecido pelo superficial.

Como o autor disse certa vez sobre seu livro, já estamos todos cegos.

 

 

Minha contribuição é apenas um conselho. Uma das melhores formas de se evitar a forma metafórica da cegueira que o autor quis mostrar é com conhecimento e pensamento crítico, se você for capaz de construir suas próprias ideias a partir de todo tipo de conhecimento que você venha a absorver, isso será muito útil para manter sua visão segura, leia, vá aos teatros, museus, estude, viaje se puder, assista aos jornais, dê mais opções à si mesmo, saia da sua zona de conforto, mantenha seu cérebro com constantes sinapses, evolua seu entendimento sobre si mesmo e sobre o meio no qual você está inserido. Não se deixe cegar, não deixe de ouvir com imparcialidade e não se deixe calar.


Nota: 5/5 --Quero ler mais de José Saramago---


Para Assistir:

Adaptação para o cinema:







Destaque
Tags
Nenhum tag.
bottom of page