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Resenha - Duas narrativas fantásticas - Fiódor Dostoiévski

Quando Dostoiévski resolve abrir seu próprio jornal ( Diário de um escritor), lhe ocorre de ocupar uma edição inteira da sua publicação mensal com duas novelas. Uma em 1876 - A Dócil e a outra em 1881 - O sonho de um homem ridículo. O autor muito polido, pede desculpas aos seus leitores e licença para discorrer sobre as estranhezas humanas que vinha observando e lhe serviria de inspiração em uma espécie de laboratório que fazia ali mesmo no seu cotidiano de jornalista. Mesmo tendo sido traduzido diretamente do russo, a barreira da linguagem não se mostrou tão sólida e em muitas passagens onde expressões mais difíceis de se compreender entram na narrativa foram destacadas explicações contextuais e etimológicas.


A dócil (1786) Uma bela e dócil criatura tirou a própria vida, ainda com o corpo estendido na sala de casa, seu consternado esposo tenta entender o que fizera para perder sua cônjuge dessa forma. Havia um homem que conseguia manter sua vida financeira através de sua caixa de penhores, diante da miséria e toda sorte de desgraça que a crise econômica podia trazer, esse mesmo homem conseguia extrair da pobreza de seus clientes uma quantia consideravelmente razoável para que pudesse viver confortavelmente. Havia uma bela jovem de quinze anos completos, uma jovem bela, órfã e muito pobre, como a maioria da gente naquela Rússia do século XIX. Essa garota pobre era maltratada na casa onde vivia com suas tias, não conseguia trabalho em lugar algum, mas mesmo assim ainda se dignava a penhorar o pouquíssimo que tinha na intenção de que alguém lhe desse uma oportunidade se visse os muitos anúncios que colocava nos jornais. Ninguém lhe dera um emprego, mas o senhor da casa de penhores se compadeceu de toda sua angústia e lhe propôs casamento. O tempo passou e o casamento se mostrou um carrasco ainda pior do que a própria fome. O que faz uma pessoa não se sentir conectada mais com o brilho da própria vida? A indolência pode causar um dano tão sério em alguém tão aparentemente tenro? O tema é ainda atual e totalmente possível apesar de se apresentar uma natural estranheza pois o narrador está a descrever todos seus percalços com a mulher que desposara e agora é nada mais que um cadáver em sua frente. - Minha interação com essa novela dostoievskiana foi chegar à constatação de que pode ser fatal tornar os relacionamentos algo mecanizado que se possa pautar por manual de instruções. O uso de protocolos genéricos para algo tão dinâmico como as relações humanas, principalmente aquelas que envolvem emoções mais profundas. Acreditar que as necessidades do outro são puramente uma extensão de seus próprios anseios é algo contemporâneo e completamente verossímil.


O Sonho de um homem ridículo (1881) Um homem desiludido e indiferente à vida quer morrer, decide que irá cometer suicídio, decide que meterá uma bala na cabeça, com uma letargia súbita adormece sentindo um buraco no peito e acaba confuso, pois pretendia acertar a cabeça. Sonha com o mais utópico dos planetas, porém, sua simples presença no paraíso cria uma mácula crescente em todos os perfeitos habitantes locais. Agora esse homem não pode mais ser indiferente pois sente que criou um grande desalinho e que é de sua responsabilidade reconstruir a harmonia da perfeição. Ao acordar do sonho que entende como o sonho mais real que já teve, o homem, agora tem uma missão: Desfazer a perversão que acredita ter criado quando contaminou todos com o problema da autoconsciência. Agora o homem é um fervoroso com um discurso proselitista.

"O principal é - ame aos outros como a si mesmo, eis o principal, só isso, não é preciso nem mais nem menos: imediatamente você vai descobrir o modo de se acertar. E no entanto isso é só - uma velha verdade, repetida e lida um bilhão de vezes, e mesmo assim ela não pegou! "A consciência da vida é superior à vida, o conhecimento das leis da felicidade - é superior à felicidade" - é contra isso que é preciso lutar!! E é o que eu vou fazer."

O sonho de um homem ridículo

Nota: 5/5

Encantada com o jeito de Dostoiévski sentir tudo.


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